Um avé ao arrebol
Sim, sim, pode não existir o pecado do lado de baixo do Equador. Mas na Escandinávia as pessoas também não se enrolam menos, nem se sentem mais culpadas por causa disso. A verdade é que tanto o calor como o frio dão tesão. As temperaturas intermédias também. É como a cor da capa do toureiro: é irrelevante. O que irrita o touro é haver ali um homenzinho de lantejoulas aos gritos e saltinhos.
No entanto, o tesão do calor é indolente; é uma Maria-vai-com-as-outras. O sol bate na braguilha e a ideia logo se forma na cabecinha. Para mais, andamos todos nus e os anúncios têm sempre beldades risonhas e brincar com mangueiras e cerejas.
Já este frio é amigo de um tesão mais indómito. Criando-se contra os elementos, debaixo de escorregadios edredons, parece rir-se da massa de ar polar que procura cercá-la. Tem algo de Jack London; das taigas.
Os enrolanços a esta temperatura produzem o mais aconchegador de todos os calorinhos humanos. Levanta-se um pouco a tenda de lençóis e cobertores e é um prazer (e uma recompensa) soltar umas ondinhas do efeito-estufa no seu melhor.
Onde antes havia só frio e gelo – aqueles plantígrados e ungulados pés com que me alcançaste foram recuperados de algum mamute? – existe agora um quentinho sustentável e amigo do ambiente, a que os ingleses chamam afterflow e a que nós deveríamos chamar arrebol.
A suadeira pós-enroladeira do Sul e do Verão e do Chico Buarque bem pode esperar.
Miguel Esteves Cardoso in Público. 9 Janeiro 2009
Humores, Ideias Fixas, Ideias Soltas, Dúvidas Existenciais, Teorias de Bolso e Outros Textos Incendiários
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